domingo, 9 de março de 2014

pitaco #21 - alice munro

Nome: Dear Life (Vida Querida)
Ano: 2012
De quem: Alice Munro

Esse é o último livro da autora, que já publicou outras 13 obras. Na contracapa dessa edição da Editora Vintage, transcreveram um trecho de uma resenha no "Daily Telegraph": "Amantes da sua escrita devem esperar que este não seja, de fato, seu grand finale. Mas, se for, é espetacular."


Primeiro livro da autora que li e, mesmo assim, ao terminar o livro, lamentei sua "aposentadoria" do meio literário.

Alice Munro nasceu nos anos 30 e é conhecida pelos seus contos instintivamente autobiográficos. E este instinto é do leitor que, sempre ao início de uma história, tem a sensação de que está lendo algo pessoal - o que é uma característica de escrita que me agrada muito

No primeiro conto do livro, "To Reach Japan" ("Que chegue ao Japão") que é também um dos meus preferidos, a autora descreve uma poeta (e não ouse chamá-la de poetisa), casada com Peter, que não necessariamente a julga por este fato. Na época, poderia ser considerado como insulto uma mulher que, ao invés de "cumprir suas obrigações de mulher", senta-se para escrever. 

Escrever essa carta é como colocar uma nota numa garrafa 
E esperar 
Que ela chegue ao Japão

Em "Dolly", Alice conta a história de dois velhinhos no fim da vida, planejando suas mortes. Ciúme, nostalgia e um humor um tanto quanto sórdido pairam a atmosfera do conto, enquanto a autora manipula os sentimentos do leitor utilizando as palavras certas para impactar. Essa é uma característica dos contos da Alice Munro: ela impacta, mas não te dá tempo para absorver o impacto. Você lê uma informação chocante (uma morte, doença, traição etc) e o conto continua, como se nada tivesse acontecido. Como a vida real, você não tem tempo de se curar de um baque e outro vem em seguida.

Quando se está ocupado com cavalos, as pessoas veem que você está ocupado, mas quando você está ocupado criando um poema, parece que você está num estado de depressão e se sente constrangido de precisar explicar o que está acontecendo.

O livro é dividido em duas partes: os dez primeiros contos e os quatro últimos textos, intitulados pela autora de "Finale", que são precedidos pela seguinte introdução:

Os quatro últimos trabalhos deste livro não são contos. Eles formam uma unidade separada, que é autobiográfica no sentimento, mesmo que, de vez em quando, não seja de fato. Eu acredito que essas sejam as primeiras, as últimas e as coisas mais próprias que tenho para dizer sobre a minha vida.



Estes últimos textos são fortes, impactantes e muito inquietantes. Em "Noite", a personagem, mais nova do que o restante das personagens do livro, se vê numa situação inimaginável e passa a não se reconhecer, de tão absurdos que são os desejos que passam a surgir dentro de si.

Eu não era eu mesma. (...) 
"Então, quem você acha que é?" 
Eu tenho ouvido isso também, sem me preocupar a ligar a um significado de verdade, só considerando como uma brincadeira rotineira. 

A escrita de Alice é forte, direta e trata das relações humanas. Relações matrimoniais, fraternais, familiares, profissionais. Gente com gente e as reviravoltas que as pessoas causam a elas mesmas com ações pequenas sem nem perceber.

No fim das contas, acho que esta foi o ponto comum que tirei de todos os contos da coletânea: os grandes fatos são grandes apenas no impacto. O que fere mais no dia a dia são os pequenos detalhes, que incomodam repetidamente, sem pausa, e se juntam às ideias ruins da cabeça de quem quer que seja você.

Nothing changes really about love.

Excelente!

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