terça-feira, 14 de janeiro de 2014

pitaco #14 - rubem alves

Livro: O que é religião (Coleção Primeiros Passos)
Ano: 1984
De quem: Rubem Alves

* clique em "mais informações" para assistir ao vídeo sobre este livro.

Este foi o segundo livro que escolhi para a maratona literária. Só o coloquei na lista, porque os livros desta coleção sempre me pareceram rasos (apesar de ser o tipo de leitura que sempre parece inédita, mesmo na sétima releitura). Não foi o caso deste livro: ou sei pouco sobre religião, ou sei mais do que imagino sobre os outros assuntos.




De afirmações como "Houve tempo em que os descrentes, sem amor a Deus e sem religião, eram raros. Tão raros que eles mesmos se espantavam com a sua descrença e a escondiam, como se ela fosse uma peste contagiosa." (pg. 7) até brincadeiras com a razão pelas quais as pessoas recorrem aos grupos religiosos, Rubem Alves, no início, me pareceu muito diferente do autor que eu havia conhecido em "Ostra Feliz Não Faz Pérola".

No início, conta como a cultura é criada (a partir da exteriorização dos sentimentos humanos, transformados em arte ou criações em geral - tais como os instrumentos musicais, objetos de uso cotidiano etc e, a partir daí, é passado em geração a forma correta de agir com preceitos morais e sociais baseados nas vivências dos que haviam criado etc) e como a religião pode ser materializada.

No decorrer do livro (que passa voando), ele vai descrevendo situações nas quais a religião foi o ponto central. E abusa do óbvio: os excessos são a fonte de toda fé. Muita gratidão quando ganha (por puro medo de perder), muito "I beeeeeeeeg yoooooooou" quando não se tem mais saída. Apesar disso, conduz de um jeito leve (próprio desta coleção) a ideia de que só embarca na religião aquele que precisa de uma válvula de escape.

Por fim, um apanhado básico (e, mesmo assim, reflexivo) do que é o aglomerado de pessoas que se encontram no Domingo de manhã (a tarde ou a noite. Ou no sábado. Ou às terças e quintas). Um tapa na cara dos fanáticos, com toda certeza; e um balde de argumentos para ateus.

O texto parece ter sido escrito por um ateu, mas ele deixa claro que tem (e muita) fé em "Ostra Feliz Não Faz Pérola". É um bom escritor.



Trechos que cito no vídeo:

Retirados de "O Que É Religião" (Rubem Alves)
Que a religião cuide das realidades espirituais, que das coisas materiais a espada e o dinheiro se encarregam! (pág. 47)

Não, não estou dizendo que a religião é apenas imaginação, apenas fantasia. Ao contrário, estou sugerindo que ela tem o poder, o amor e a dignidade do imaginário. (...) Por que razões os homens fizeram flautas, inventaram danças, escreveram poemas, puseram flores nos seus cabelos e colares nos seus pescoços, construíram casas, pintaram-nas de cores alegres e puseram quadros nas paredes? Imaginemos que estes homens tivessem sido totalmente objetivos, totalmente dominados pelos fatos, totalmente verdadeiros - sim, verdadeiros! - poderiam eles ter inventado coisas? Onde estava a flauta antes de ser inventada? E o jardim? E as danças? E os quadros? Ausentes. Inexistentes. (...) Portanto, ao afirmar que as entidadades da religião pertencem ao imaginário, não as estou colocando ao lado do engodo e da perturbação mental. Estou apenas estabelecendo sua filiação e reconhecendo a fraternidade que nos une. (págs. 31 e 32)

Parece-me que esta parábola apresenta, de forma paradigmática, aquilo que o discurso religioso pretende fazer com as coisas: transformá-las, de entidades brutas e vazias, em portadoras de sentido, de tal maneira que elas passem a fazer parte do mundo humano, como se fossem extensões de nós mesmos. (...) Acontece que o discurso religioso não vive em si mesmo. Falta-lhe a autonomia das coisas da natureza, que continuam as mesmas, em qualquer tempo, qualquer lugar. A religião é construída pelos símbolos que os homens usam. Mas os homens são diferentes. E seus mundos sagrados também. (págs. 28 e 29)

Texto "Culpa" de "Ostra Feliz Não Faz Pérola" (Rubem Alves)


Os judeus têm uma fina percepção do poder do sentimento de culpa. Eles mesmos inventaram esta piadinha. Uma mãe italiana, quando está furiosa com o filho, faz uma gritaria, joga pratos, pega o rolo de macarrão, o filho foge correndo pela porta enquanto ela diz: "Desgraçado, eu te mato...". A mãe judia, quando está furiosa com o filho, chega-se mansamente a ele, uma lágrima escorrendo pelo rosto, e diz bem baixinho: "Meu filho, eu me mato...". Há um hino protestante que é uma versão musical da piadinha: "Morri, morri na cruz, por ti. Que fazes tu por mim?". A cruz, vista pelos olhos do Mel Gibson, não liberta. Escraviza. Por isso não vi o filme.

Trecho de "Como Vejo O Mundo" (Albert Einstein)


A religião é vivida antes de tudo como angústia. Não é inventada, mas é essencialmente estruturada pela casta sacerdotal, que institui o papel de intermediário entre seres temíveis e o povo, fundando assim sua hegemonia. Com frequência o chefe, o monarca ou uma classe privilegiada de acordo com os elementos de seu poder e para salvaguardar a soberania temporal, se arrogam as funções sacerdotais. Ou então, entre a casta política dominante e a casta sacerdotal se estabelece uma comunidade de interesses.
Se encontrar em um sebo perto de você, leia. Vale a pena pra refletir. Não tem grandes novidades, mas resgata da memória tudo aquilo o que você pensa, mas não sabe muito bem verbalizar.

Até a próxima! :-)


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