A única coisa que tem é a arte de cantar que Deus deu. Mas nem sei se isso é profissão. Porque arte, o Senhor sabe, além da beleza, não serve para nada. Também não se ganha quase nada, meu Cristo. São palmas e palmas, mas fazer o que com as palmas? Palma, se hoje tem, amanhã não tem. Nem sei por que as pessoas metem na cabeça de ser artista. Sabe, meu Cristo, eu tenho medo do futuro. O tempo vai passando, se hoje está difícil, amanhã o que vai sobrar? Enquanto esse carro está andando, dá a impressão de que alguma coisa boa pode acontecer na próxima cidade, na próxima semana, no próximo mês. Com o carro andando, há um resto de esperança. É quase nada, mas com ela a gente vai vivendo. Porque, no fundo, a gente acredita que, ao virar a próxima curva, tudo vai ser diferente, o mundo vai ser melhor. mas depois de um acurva vem outra curva, e em cada cidade que a gente chega tudo é igual às outras que estivemos. A gente roda, roda, e o mundo é sempre igual. Uma hora dessas isso vai parar de andar. O que vai sobrar de tudo isso?
Trecho de "Pássaros de Voo Curto", do Alcione Araújo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário